O relato que você vai ouvir neste instante, aconteceu por volta de junho de 2011, e partes das lembranças foram surrupiadas de minha mente e com toda sorte permaneceu assim.
Tinha mais ou menos 15 para 16 anos de idade.

Era um sábado À tarde, terminara de me arrumar para ir ao encontro do grupo de teatro; que uma vez ao mês ficava responsável pela organização da sala de artes e pela limpeza do salão da igreja. Mal sabia que aquela tarde me aguardara uma surpresa totalmente sufocante, uma verdadeira bomba relógio programada para explodir em um tempo não muito distante.

Ele estava com um olhar diferente de tudo que já vira até então. Seus olhos tinham um brilho diferente, discreto, mas inquietante. Mas como uma criança vai conseguir captar tal sensualidade explicita tamanha malícia em seu melhor amigo e líder? Toda ovelha espera que seu pastor as guie a um lugar seguro e saudável. Mas não foi isso que ocorreu naquela tarde... Naquele dia eu estara caminhando até a beira do abismo.

Todos finalizaram as suas atribuições. Contudo, nós permanecemos por último, guardando as coisas que faltavam. Quando chegamos à sala de artes, ali; em um movimento inocente o leão tragou a sua ovelha com suas fortes garras. Como em uma brincadeira de lutinha de meninos, acabei indo ao chão e tentando soltar-me, sair debaixo do mesmo, eu não consegui e instantaneamente; senti o seu órgão genital em minha coxa e mão. Sentira em meu corpo uma sensação completamente confusa, estranha e inquietante. O silêncio brotou em minha boca e em meus olhos. Naquele período sentira certas dúvidas quanto aos gostos por meninos e meninas. Mas isso não era de suma importância para mim, e acabara deixando este detalhe especial oculto e permanentemente sem resposta.

Eu era um adolescente retraído. Enquanto meus amigos eram soltos e caiam ferozmente em cima das meninas, eu só queria ficar na minha, ler, e jogar xadrez. No primeiro instante qualquer coisa que fosse acontecer ali, teria seu ato parado devido à chegada dos ministros da igreja. Rapidamente nos ajeitamos e saímos daquela sala, e partimos para casa como se nada tivesse acontecido. Internamente eu estava desesperado, agoniado e esperando respostas.

O final de semana passou. E como em todas as segundas feiras, eu me dirigia à secretaria da igreja, para ajudar na preparação e organização do ministério infantil e na organização assim desejada. E ao final daquela tarde, quando entrei no banheiro, houve a segunda investida direta, e por medo ou por querer eu tentei evitar, mas acabei deixando tudo acontecer e me entreguei. E mesmo com uma sensação de afeto possivelmente agradável, após aquele momento de toque eu me senti sujo, confuso, vazio.

Passaram-se alguns dias e o mesmo começou a cercar-me com brincadeiras, sorrisos, afetos nada amigáveis, e aquilo de certa forma me atraia,faziam-me sorrir, criava um desejo estranho dentro de mim; mas isso não era o pior. O medo das consequências e o fato de o ato já terem sido consumados, só me consumia ainda mais. Eu acordara e via ele na minha rua, pensara em sua família, pensava em mim, na minha família. Sentia medo de tudo e houve um momento em que o mesmo me perguntava se eu iria abrir a boca, se eu contaria o que rolou entre nós para alguém. Aquela pressão voluntária ou involuntária só aumentava dentro de mim, e isso me fazia chorar incessantemente. Jamais poderia abrir a boca. Toda aquela história vir à tona seria um colapso total na família de ambos e com toda certeza a minha família não se manteria de boca fechada.

A vergonha que eu sentira de mim era grande e parecia aumentar com o passar dos dias. Sem dúvidas não queria me expor e com toda certeza não queria ser acusado de querer estragar um casamento. O pior de tudo é que eu já sabia internamente de que a minha palavra não valeria de nada. Afinal eu tinha apenas 15 anos e o meu abusador 25 anos. E mesmo assim eu pensava mais Nele do que em mim. Com certo pesar, ao longo da semana eu estava ainda mais aflito, meu coração apertado e meu semblante começara a dar bandeira. Até que ponto um adolescente consegue lidar com a pressão? Eu me perguntara sobre aquilo toda noite enquanto chorava sufocadamente. Dois dias depois o mesmo me procura tentando consolar-me, ou melhor, tentando apaziguar a tempestade que estava para surgir. Eu não aguentava mais, mesmo prometendo, eu sentia tudo em grande escala. Meu medo era transbordar e transbordou.

Passaram-se exato uma semana, após várias e várias vezes após o ato ter sido consumado novamente. Sentia-me imundo, sozinho, carente do ato em meio à sujeira que eu estava ajudando a formar. O carinho poderia e até era bom, mas eu não conseguia dizer não. Tinha medo e em minha mente ele era meu amigo, como poderia parar aquilo? O abuso era constante e eu estava perdido entre mentiras e decepções paralelas. Olhar nos olhos alheios era completamente impossível, pois para mim era olhar em um espelho e refletir, revelar toda a sujeira debaixo do véu.

Em uma segunda-feira, todos compareceram ao ensaio, exceto o meu amigo e líder. Parece que o mesmo sentira o que estava para acontecer. Naquele dia eu me sentia péssimo e sem ele ali me sentia de certa forma uma pessoa nua e ainda mais imunda.
Naquela noite a outra liderança cedeu a palavra a um dos integrantes, que trouxe uma visão que a mesma tivera sobre o corpo de teatro, onde o mesmo estava com rachaduras, brechas e tinha algo errado. E após isso um a um sentou-se em secreto com a líder. Naquele momento a pressão sobre minha cabeça só aumentava, e o peso em meus ombros eram inquietantes. No fundo quisera correr daquela sala, pois a pressão só aumentava e o cântaro estava pronto para transbordar. Onde estaria ele naquela hora? O que eu poderia fazer? Simplesmente nada além de dizer a verdade. Era o preço da tamanha transgressão.

O momento chegou e como um raio desce num piscar de olhos sobre a terra, assim foi o momento da verdade. Cartas na mesa, véu rasgado e verdade à tona. Naquele momento eu traçava a minha própria batalha carnal e mental. Sentira medo e pavor de tudo aquilo. Contudo a sentença caiu sobre mim, como se eu fosse apenas o único culpado. Como se eu tivesse forjado, desejado isso.

O assunto foi levado aos pastores na mesma noite, e às oito da manhã já havia um chamado em minha casa para comparecer à casa dos mesmos com extrema urgência. Ao chegar da escola fui de imediato à residência dos meus lideres, e assim como em um tribunal; os réus foram postos lado a lado, face a face. O momento era conturbador, humilhante e doloroso. Mas dobrei-me a frente e confessei com todas as letras o ato maldito consumado. Infelizmente quem eu achara ser o meu melhor amigo, negou ferrenhamente o ato, fazendo-me parecer mentiroso e me tratando como lixo, e monstruosamente afirmando que se fosse para pegar “Bicha”, não o faria enquanto casado, ainda mais sendo um “Homem” de 25 anos, e com um filho pequeno. Todo aquele abuso em projeto de paixão, excitação, atração que ele tinha e viveu em mim, todo aquele erro pesaroso, estava sendo totalmente lançado para cima de mim. É como se você jogasse todo o lixo no lixo. Mas eu era o lixo. Era assim que eu me sentia naquele momento.

Sentença dada. Ato consumado. Socorro negado e sem auxílio, provas, como poderia me defender? Eu perdera ali parte da minha dignidade, da minha mocidade. Por tempos me senti um lixo. Não podia falar nada com ninguém. Queria contar para alguém o lixo que estava dentro de mim. Queria socorro, abrigo, colo. Restavam ali apenas cacos de mim, e a única coisa que pudera fazer era chorar silenciosamente e erguer uma máscara para meus pais, onde tudo eram flores, e tudo parecera bem. Queria morrer com tudo aquilo que acontecera e tudo o que estava se passando dentro de mim. Na minha cabeça passava cenas horríveis, e idéias de como eu poderia tentar aliviar a minha dor. Graças a Deus eu não executei as idéias horrendas expressadas em meus pensamentos.

Poucas pessoas realmente sabiam do ocorrido. Algumas se afastaram de mim como um homem se afasta de um cão sarnento. E as demais duvidaram ardentemente de minha palavra, e questionavam-me o tempo todo. Naquela época minha mãe, e amigos próximos tentaram me espremer, assim como se espreme uma oliva, até sair o melhor. Mas no meu caso até o que poderia ser chamado de tudo era nada. Não passava de uma podridão em pessoa. Eram apenas desespero e dor vivida ardentemente.

Por muito tempo permaneci quebrado, juntando meus cacos e tentando me refazer. Jamais esperei receber e até mesmo viver tamanha decepção. E mesmo para um adolescente, me arrependo amargamente de ter deixado tudo acontecer tão brutalmente.

A vida seguiu e tempos depois de tanta humilhação, de medo, vergonha e dor, o destino me pôs diante de meu abusador, de meu agressor, e de minha maior decepção. Como abrolho em pétala de rosa entrou na minha vida e me deixou em pedaços,como se pisa num galho seco, assim era o que eu era. Um galho seco.

Durante um bom tempo eu o odiei com todas as minhas forças. Não desejava o mal a ele ou a sua família, mas o sentimento de ódio era vivo dentro de mim. Reviver as cenas foi algo terrível e agonizante. Com o passar dos dias minha mãe confessou-me que pouco tempo depois ela tomou nota sobre o que realmente aconteceu comigo. Abraçou-me e eu depois de tempos, senti um alívio na alma com aquela revelação. Tudo por um bom tempo ficou em sigilo e de certa forma eu agradeço a Deus por isso, aquele escândalo seria o ápice de todos os possíveis males. Talvez você se pergunte: “Você ficou com pena dele?” minha resposta é direta e objetiva. Tomei os remos, subi na nau e segui em frente. Em meu último instante presente com o mesmo, liberei perdão por ter me calado, liberei perdão sobre a vida dele. Era o momento certo de desapegar-me do passado, deixar minha alma em vestes brancas, livre de toda e qualquer acusação interna.

Com o tempo você percebe que não podem apagar-se os momentos ruins, mas pode encerrar-se este capítulo intenso e cancerígeno na alma. Pudera talvez queimar os registros mais asquerosos e relembrar apenas os bons e aprender com os bons e maus momentos.

A vida é curta demais e sua alma é linda demais para alojar câncer, tumores e possíveis sentimentos de repulsa e ódio. A sujeira que sua mente trás ao presente, os erros vividos, seus fracassos, não são quem você realmente é. Você não é o que as pessoas falam que você é. Com sorte seremos aqueles pela qual batalhamos ser. O humano é a ponte entre o pó e aquele que busca a perfeição. Não guarde lixo, recicle o que dá e descarte o que não presta mais.

Todavia todo ato de estupro e abuso sexual podem e devem ser denunciados. Sua história pode ter sido igual, semelhante e até pior que essa. Contudo, sei que não é fácil lidar com nossos demônios, e em algumas situações não conseguiremos vencer; mas podemos tratá-los.

Abro um paralelo aqui e deixo meu visto: ENFRENTE os teus estupradores! Perdoe-se por não ter sido forte e volte a viver novamente.

Você não é um lixo. Você não é culpado. E o fato de você não ter tido coragem de lutar não te faz menos que ninguém. Livre-se desta pressão psicológica maldita e siga em frente. Quebre-se caso necessário e reconstrua-te outra vez. Deixe o passado para trás.

Há um trecho no livro de Mia Couto que diz: ”É que em todo lado, mesmo no invisível, há uma porta. Longe ou perto, não somos donos, mas simples convidados. A vida, por respeito, requer constante licença.”

Talvez a porta pela qual fosse convidado te levou a caminhos não desejados. Por isso, permita-se ser conduzido outra vez, seja prudente, e viva. O humano é dotado de inteligência, mas sempre será falho perante a sua teimosia.

Salvo por compaixão e um bálsamo em minhas feridas, deixo o alívio e a essência de um jovem que foi criança e graças a Deus renasceu outra vez.



Autor: Marcos Namikaze